Até recentemente, nunca imaginei que iria partilhar as minhas histórias pessoais convosco. Já escrevi ficção e não ficção, mas nunca escrevi a sério sobre a minha vida; normalmente escrevia ao correr da pena, de forma desordenada, para processar emoções e pensamentos e registar a beleza.
No dia 5 de junho de 2021, criei um ficheiro chamado «As minhas histórias». O calendário diz-me que tinha terminado um grande projeto no trabalho, e que tínhamos saído do último confinamento Covid há cerca de um mês. Ainda assim, foi um sábado normal.
A primeira história do ficheiro era uma memória de quando era criança e achava que vivíamos dentro da Terra (a sério?). Havia outras memórias, e histórias sobre livros — livros que mudaram a minha vida de alguma forma (voltei a um desses textos quando escrevi A História Interminável). Esse ficheiro tornou-se o espaço onde tentei ligar os pontos na minha vida e fora dela. Não tinha qualquer intenção de o partilhar com o mundo.
Depois veio o diagnóstico de cancro da mama metastático. Cerca de duas semanas depois, criei outro ficheiro, onde recolhi as palavras escritas nessas duas semanas e nos meses que se seguiram. Mais uma vez, estava a escrever para mim, ou pelo menos assim pensava na altura.
Quando esta publicação ganhou vida, há cerca de um ano, escrever sobre a minha vida deixou de ser uma escolha, era algo que eu tinha de fazer (escrevi sobre isso aqui). Tem sido uma viagem louca e bela, mesmo que já não esteja a publicar todas as quinzenas. A vida e a quantidade de energia disponível tendem a interferir, assim como algumas repercussões inesperadas que acontecem quando abrimos o coração.
Medo de exposição
Recentemente, uma amiga disse-me que era corajoso da minha parte publicar histórias sobre a minha vida, e eu respondi que não é coragem se não eu não tiver medo.
Claro que me preocupo, e há momentos em que pondero o que escrevo — isto é a internet, e pode ser um lugar implacável. Mas antes, sentia-me paralisada com a ideia de ser julgada, de ser confrontada sobre o que escrevia, e com o embaraço de me tornar alguém que escreve sobre si mesma (isso não é o que os «verdadeiros» escritores fazem).
Quando a vontade de partilhar se tornou mais forte do que o medo, e comecei a publicar, esse monstro no meu peito começou a encolher. Quando confrontado, revelou-se um produto da minha imaginação, um amigo invisível assustador que não cabia na realidade.
De alguma forma, agora sei que a vergonha não faz sentido quando a escrita vem do coração, do que sinto ser verdadeiro num dado momento. E tento minimizar o julgamento sobre mim mesma, da mesma maneira que tento fazer com os outros: estamos todos a fazer o melhor que podemos com as ferramentas que temos.
Não sou imune a críticas negativas, mas o medo de as receber não me impede de dizer o que quero dizer. Mesmo quando partilho os artigos nas redes sociais, como no Reddit, e as pessoas discordam, consigo compreender os seus argumentos, e sei que o que escrevo não é para todos. E descobri que há pessoas que gostam de ler estas histórias e ensaios, e estou muito grata por isso.
O meu medo atual é que as minhas palavras revelem o quão autocentrada sou (a verdade é que passo muito tempo na minha cabeça), ou que exponham alguma falha de que não tenho consciência (imagino um terapeuta a ler os meus textos e a abanar a cabeça). Mas talvez isso seja bom, uma forma de trabalhar os meus ângulos mortos.
Escrever sobre a vida enquanto ela acontece
Nos primeiros tempos desta publicação, fui buscar os textos que escrevi nos primeiros meses após o diagnóstico. Esses textos tinham tido tempo para maturar antes de serem transformados em artigos. Ao mesmo tempo, continuei a escrever, a ter novas ideias para artigos e a levantar questões, e os novos textos nasceram dessas palavras mais «verdes».
Mesmo assim, ainda demoro, por vezes meses, desde a primeira ideia até ao texto publicado. Às vezes começo a escrever uma história, depois paro, e recomeço. Tenho histórias meio-escritas à espera do momento certo para verem a luz do dia.
É difícil sermos objetivos quando estamos a passar pelas coisas. O tempo traz perspetiva e distanciamento emocional das situações — e a capacidade de entender as lições.
Quero escrever histórias com um início, meio e fim, onde seja possível vislumbrar o arco da personagem, a minha própria jornada de herói. Mas a vida é caótica, e às vezes não espero pelo fim da história para a contar, porque não sei onde acaba.
Algumas palavras pesam-me no coração
Há textos, como o último que partilhei, cujo peso carrego durante dias, semanas, antes e depois da publicação.
Tentar escrever para a pessoa que fui nos primeiros meses após o diagnóstico significa mergulhar nas profundezas, fazer as perguntas difíceis e lidar com as respostas. Lá em baixo, as coisas podem ser intensas e profundamente sentidas.
Quando partilho as histórias e ensaios em grupos online, o impacto é maior, ainda que esteja muito, muito grata por isso. Nesses grupos, encontro pessoas que lidam com as mesmas dúvidas, pessoas que reagem às minhas palavras e partilham as suas próprias histórias e, às vezes, o peso dessas histórias parece somar-se ao meu.
Quando comecei a publicar, não esperava que isso me mudasse. Assumi que iria ser um caminho de sentido único, até que dei conta de que chegavam coisas do outro lado. Tenho-as acolhido, com a minha cautela habitual. Vocês vieram do outro lado, com as vossas reações, as vossas histórias, a vossa presença, e isso ainda me surpreende.
Conectar-me, mesmo que seja numa breve interação online, ajuda-me a sair da minha cabeça e a perceber que vocês estão aí, a sentir o que escrevo, ou a passar pelo mesmo.
Estou grata por ter-vos aqui.