Aviso: vamos falar sobre os números da esperança de vida das pessoas com cancro da mama metastático.
Quando falo da minha experiência com o cancro, só falo dos números quando me perguntam diretamente; apercebi-me de que algumas pessoas preferem não ser assombradas por eles, e está tudo bem. Na última consulta, a minha oncologista referiu que há muitas mulheres que nunca perguntam, e não querem saber, o seu prognóstico.
Se não queres saber os números, este artigo não é para ti; se tens curiosidade em conhecê-los, espero que te dê uma ideia do que realmente significam.
Se alguma vez tiveste de fazer esta pergunta, sabes do que estou a falar. É a cena que se repete nos filmes e séries, quando uma personagem recebe a notícia que tem uma doença incurável.
«Qual é o prognóstico?» foi a primeira pergunta que fiz à oncologista, depois de saber que tinha metástases nos ossos. Trazia a cena preparada, treinada, e a lista de perguntas no telemóvel.
Nos (poucos) dias antes da consulta li tudo o que consegui encontrar sobre o assunto. O primeiro resultado de uma pesquisa no google tirou-me o fôlego: a taxa de sobrevida a 5 anos, para pessoas com cancro da mama metastático, era de 28%, à data, de acordo com a American Cancer Society.
Depois descobri os resultados do MONALEESA, o ensaio clínico do ribociclib, o tratamento que a minha médica tinha referido ao telefone. Este estudo seguiu, durante seis anos e sete meses, 668 mulheres com cancro da mama metastático que não tinham ainda recebido terapia sistémica prévia para a doença avançada.
Neste estudo, metade das mulheres tomou ribociclib e letrozol (bloqueador de estrogénio), e a outra metade, um placebo e letrozol. Durante o estudo morreram 181 mulheres no primeiro grupo e 219 no segundo. No grupo que tomou ribociclib, a taxa de sobrevida a cinco anos foi 52,3% e a sobrevida mediana global (overall survival median) foi 63,9 meses, mais 12,5 meses do que o grupo com placebo. O risco relativo (hazard ratio) foi de 0,76, ou seja, o risco de morte, com o ribociclib, foi 24% menor. O artigo conclui que o tratamento com ribociclib e letrozol tem um benefício significativo na sobrevida global em comparação com placebo e letrozol.
Quando finalmente fui à consulta e fiz a minha pergunta, a médica disse que a sobrevida mediana global era de sete anos1.
Nesta primeira consulta percebi que, por definição, o cancro metastático da mama não tem cura (é o chamado estádio IV, o último). Percebi que o tratamento é feito «para sempre», e que quando o primeiro tratamento deixa de resultar ou se torna muito tóxico, com efeitos secundários graves, avança-se para outro tratamento.
Não sou um número
A taxa de sobrevida a cinco anos e a sobrevida mediana global são muito úteis para comparar a eficácia dos tratamentos, mas podem ser (ainda mais) assustadores quando não sabemos o que significam ou como são calculados.
Comecemos pelas definições. Num determinado grupo/estudo:
A taxa de sobrevida a cinco anos indica-nos a percentagem de pessoas que continuam vivas cinco anos após o diagnóstico.
A sobrevida mediana global ou tempo de sobrevida global mediano, indica o tempo após o qual metade das pessoas continuam vivas.
Mas quando aplicamos estes valores a um indivíduo, é importante considerar alguns pressupostos:
As estatísticas não têm em conta como cada indivíduo responde ao tratamento. Não têm em conta fatores individuais como a idade, o estado de saúde e do sistema imunitário, ou a genética.
A taxa de sobrevida e a sobrevida mediana global são calculadas a partir do momento do diagnóstico ou do tratamento — e nem todas as pessoas são diagnosticadas ou tratadas na mesma fase da doença. Algumas pessoas, como eu, descobrem as metástases por acaso (e graças aos cuidados da equipa de médicos), e outras descobrem as metástases quando os sintomas aparecem, e podem estar numa fase mais avançada.
A mediana é o número médio de um conjunto de números colocados em ordem de grandeza. No caso destes estudos, é como se colocassem o tempo de sobrevida de todas as mulheres por ordem crescente e escolhessem o número do meio. Utilizando sete anos como exemplo, a sobrevida mediana global significa que metade das mulheres vive entre zero e sete anos e a outra metade vive mais de sete anos. E quanto tempo mais? Não sabemos. Os resultados são atualizados à medida que os anos passam e mais pessoas tomam a medicação — o ribociclib foi aprovado nos EUA e na UE em 2017.
No caso do ribociclib, os estudos iniciais foram efetuados com uma dose diária de 600 mg (21 dias de tratamento e um intervalo de 7 dias), mas um estudo de 2023 revelou que uma dose de 400 mg pode melhorar a tolerabilidade ao medicamento sem comprometer a sua eficácia. Espera-se que, com uma dose reduzida, seja possível tomar o ribociclib durante mais tempo.
A investigação continua e todos os anos novos tratamentos trazem mais tempo e qualidade de vida às pessoas com cancro avançado. Alguns exemplos são: estudos genéticos de mutações, tratamentos individualizados, terapias-alvo, imunoterapia/vacinas e nanotecnologia.
Quando as estatísticas se tornam emocionais
Quando comecei a ver os números, lembrei-me porque é que nunca gostei de estatística: eu sei que a probabilidade de um dado cair num determinado número é sempre a mesma, mas não sinto que seja. Se me sair duas vezes um seis, sinto que é menos provável que à terceira me saia um seis.
As estatísticas não parecem reais, é como se retratassem algo que acontece aos outros.
Quando vi, no estudo do ribociclib, que os médicos consideravam que um ano extra era um benefício significativo, fiquei cética relativamente à análise dos dados. Benefício significativo? Um ano? Nem por isso.
A reação emocional a estes números é diferente consoante a visão do mundo de cada pessoa, as suas crenças e experiência de vida. É muito diferente para uma miúda de vinte anos que está a começar a vida, uma mãe de crianças pequenas, ou uma mulher de meia-idade sem filhos (como eu).
Quando soube o número, senti que tinha tempo — sou otimista e não sou muito boa a planear a longo prazo. Lembro-me mais facilmente das boas notícias. Ainda há dias, num grupo online, falaram-me de um estudo da Universidade de Wisconsin Madison sobre outliers/sobreviventes de longa duração do cancro da mama, e de uma mulher que vive com cancro da mama metastático há 36 anos — e penso nela de quando em quando.
Mas suspeitei que o tempo passaria depressa e, no momento em que escrevo isto, já passou um ano e meio(!).
Saber o meu número mudou como vejo o mundo e inspirou o nome desta publicação. Trouxe-me tristeza, desânimo e ansiedade, mas também aceitação, confiança e paz. Esta experiência despertou em mim o sentimento de que, seja qual for o tempo que me resta, será suficiente, já é suficiente; talvez mude, à medida que o tempo passa, mas espero que não.
Somando os 63,9 meses do estudo do ribociclib com os 23,9 meses de um novo estudo do trastuzumab deruxtecan, um tratamento de segunda linha possível para o meu caso.
O meu cancro da mama é do subtipo luminal A — positivo para os recetores de estrogénio (ER) e de progesterona (PR) e o recetor do fator de crescimento epidérmico humano 2 (HER2) baixo. Assim, a primeira linha de tratamento, e, à data, o meu tratamento inclui ribociclib, letrozol, goserrelina e denosumab (aqui podes saber o que cada um deles faz).
Excelente testemunho! 👏
Estou a gostar muito das suas reflexões, obrigado por escrever!