As pessoas fazem o melhor que podem com as ferramentas que têm
Como uma ideia pode mudar a maneira como vemos o mundo
Esta frase mudou a minha vida - e não, não estou a exagerar. Mudou a minha vida gradualmente, à medida que se entranhava na minha visão do mundo.
Aprendi-a num curso de programação neurolinguística (PNL). Na adolescência tinha lido um livro sobre o assunto e fiquei fascinada pela ideia de que podemos influenciar conscientemente como pensamos e sentimos as coisas através da forma como comunicamos. Mas, durante anos, evitei as formações sobre PNL porque me pareciam muito viradas para técnicas de vendas, até uma amiga me fazer uma recomendação de uma formação cujo foco era o desenvolvimento pessoal.
Esta frase é um dos pressupostos da PNL, com outras frases igualmente ricas e desafiantes.
A primeira vez que a ouvi, estranhei-a. Como assim? O mundo está cheio de gente que não dá o seu melhor! Quantas vezes eu podia ter dado mais, ter feito mais?
Mas com os anos aprendi que quando uma ideia me provoca resistência, é a altura de lhe prestar atenção. E neste caso, apesar de intelectualmente os meus neurónios gritarem «não pode ser verdade!», havia qualquer coisa dentro de mim que perguntava «E se fosse?».
Julgamento vs Curiosidade
Sempre tive a tendência de analisar e julgar os formadores quando estou do outro lado, projetando neles as minhas inseguranças e o meu desejo de ser melhor enquanto formadora. Mas durante aquela semana de formação, dei por mim a pausar esse julgamento. Quando surgia um pensamento crítico sobre a técnica do formador, em vez de dar espaço a essa crítica, pensava que talvez ele tivesse aprendido assim, ou na falta que fazem boas formações de formadores.
O mesmo aconteceu com os colegas da formação. Lembro-me de um colega ter uma reação violenta, e o meu primeiro pensamento não ser um julgamento negativo (a violência é má) mas uma pergunta (porque é que esta pessoa está a reagir assim?).
A formação foi muito intensa em termos emocionais, porque íamos aplicando as técnicas que aprendíamos a nós próprios, criando uma intimidade que nunca aconteceria numa formação «normal». Todos os dias vinham à superfície emoções, memórias e medos, e à medida que compreendíamos as experiências de vida uns dos outros, tornava-se mais clara a resposta à pergunta «porque é que esta pessoa está a reagir desta maneira?».
Ansiedade vs Compaixão
A mim incomoda-me a agressividade. Sempre que presencio alguém a ter uma reação violenta é difícil manter-me tranquila e objetiva. Na maioria dos casos julgo o outro, provavelmente projetando a minha vontade de ser mais assertiva em algumas situações. Em casos extremos, o meu coração encolhe-se de medo e começo a perguntar-me o que fiz de errado e como posso acalmar a pessoa, mesmo que a situação não tenha nada que ver comigo.
Talvez por isso um dos meus mestres (não intencional) foi uma pessoa que se cruzou na minha vida e que tinha um estilo de comunicação agressivo. Mesmo antes de ter feito esta formação, já tinha decidido transformar as interações com esta pessoa num treino. Depois da formação esse treino tornou-se muito mais intencional.
Um dia essa pessoa chegou perto de mim e começou a falar alto e, em vez de pensar como ia resolver aquilo rapidamente, dei por mim a pensar como devia ser difícil viver naquela pele, num estado de constante combate. Naquele dia consegui ver a agressividade daquela pessoa como a ponta do iceberg, e lembrei-me de outra frase que aprendi naquela formação: cada ataque é um pedido de ajuda. Lembro-me de sentir uma profunda compaixão e de, ignorando os gritos, ter perguntado «Está tudo bem? Passa-se alguma coisa?». Nesse momento senti uma barreira a quebrar-se em mim, o julgamento a desaparecer, e uma ligação muito profunda a ser criada com aquele ser humano em sofrimento. Talvez tenha imaginado, mas pareceu-me ver lágrimas a assomar-lhe nos olhos antes de se virar e desaparecer em passo rápido. Talvez tenha imaginado, mas senti que depois desse momento, a nossa relação teve uma mudança subtil, para melhor.
Então não há pessoas más?
Ontem aconteceu uma sincronicidade: cruzei-me com um post no reddit que falava precisamente desta frase. O texto que estão a ler agora (obrigada por isso!) estava quase completo, mas senti que ainda faltava alguma coisa. E nesse post encontrei uma perspetiva diferente, de alguém que falava de uma situação em que esta frase não deveria ser aplicada: o caso dos pais que maltratam os filhos, já que os pais devem proteger os seus filhos, independentemente da história que tenham com os seus próprios traumas.
Então há pessoas que podem, que devem, fazer melhor, mesmo com ferramentas limitadas? Provavelmente.
Para mim é fácil acreditar que todas as ações são consequências de alguma coisa, seja uma predisposição genética ou física, ou traumas perpetuados através de gerações. Mas, por outro lado, também acredito que temos poder para desenhar o nosso caminho, que podemos trabalhar para ganhar consciência sobre as consequências das nossas ações e agir em conformidade.
Nenhuma destas maneiras de ver a vida é a realidade, porque são apenas ideias, opiniões, crenças. São um filtro que colocamos sobre a realidade.
Mas talvez não seja preciso resolver esta questão filosófica para usar esta frase - a mudança mais importante que ela traz acontece em nós e não nos outros.
No meu caso, esta e outras experiências fortaleceram um mecanismo de resposta que me permite ser mais objetiva e não levar tanto a peito a reação dos outros. A violência ainda me incomoda, mas agora tento transformar a ansiedade em compaixão, e imaginar como é ser aquela pessoa, pensar no que a terá levado a ser daquela maneira ou a ter aquela reação. As pessoas continuam a fazer coisas que me irritam ou desapontam, mas muitas vezes consigo ir buscar esta frase para ganhar perspetiva, fazendo um by-pass ao julgamento.
Esta frase não iliba ninguém da sua responsabilidade, nem das consequências das suas ações, mas quando perguntamos que ferramentas poderiam ter evitado um homicídio, como a empatia, isso dá-nos pistas para uma possível reabilitação do homicida, se acreditarmos que as pessoas podem mudar. E também não significa que aceitemos a forma como alguém nos trata. Podemos compreender que aquela pessoa não sabe fazer melhor e, ao mesmo tempo, definir limites para nos proteger dessas ações.
Sempre admirei pessoas que aceitam os outros como eles são, talvez porque o meu músculo do julgamento é forte. Esta frase, e o trabalho que fiz sobre ela, veio equilibrar essa força, e sinto que isso trouxe leveza à minha vida.