«Welcome to Expiration Date! The stories and essays will arrive every two weeks on Friday».
A cada duas semanas, à sexta-feira. Esse era o plano. Estava entusiasmada, e tinha meses de textos escritos, desde o diagnóstico, que queria transformar em artigos e partilhar.
Cumpri o planeado durante seis meses. Passou o outono, o inverno e chegou a primavera, e eu publiquei de duas em duas semanas, sem falhar.
(Duas)
Em abril levantei a hipótese de adiar a publicação por uma semana: ia estar fora alguns dias e queria aproveitar a experiência. Hesitei.
Hesitei porque tinha feito uma promessa aos meus leitores.
Hesitei porque é suposto querer publicar mais, não menos. Nas publicações que sigo no Substack saem artigos todas as semanas, pelo menos.
No fim, achei que ninguém ia reparar. Quanto aos algoritmos… Paciência.
Decidi adiar a publicação.
(Três)
Em junho publiquei um artigo sobre a vida depois da morte, que me deixou num limbo — o que escrever depois? Demorei a retomar a rotina de escrita, que logo a seguir foi baralhada pela semana que passei num festival.
O artigo seguinte foi publicado quatro semanas depois do anterior.
(Quatro)
Estão a ver onde isto está a ir? O artigo que estão a ler foi publicado três meses depois do anterior.
Quando me dei conta, aquela primeira decisão, quase impossÃvel, tinha-se transformado num hábito. Passei a não ter calendário de publicação, e alterei o email de boas-vindas para eliminar a frase «The stories and essays will arrive every two weeks, on Friday».
E o mais curioso é que naquele primeiro momento, eu sabia… ou era como se soubesse. A primeira vez que falhei o prazo, sabia que o voltaria a fazer. Como se, ao falhar uma primeira vez, é «mais fácil» falhar uma segunda vez, e depois as coisas começam a desmoronar-se e é muito mais difÃcil voltar à série «perfeita». Sabia que aquela decisão iria empurrar a bola de neve ladeira abaixo e que seria muito difÃcil pará-la.
E fi-lo, mesmo assim.
Nesse momento, tornei-me uma pessoa que pode não cumprir o calendário de publicação, e uma voz crÃtica, julgadora, disse, Vês? Afinal não consegues.
Algures, uma parte de mim ficou aliviada, porque se não publicar, não há risco. Acidentalmente, criei uma proteção para o desconforto. É desconfortável expor-me, não só através das palavras, como por ter criado um projeto que pode falhar.
Ter mais tempo entre publicações também me fez sentido porque gosto de ter tempo para descobrir as palavras e as ideias através do ato de escrever. Porque acho que preciso de tempo, durante as semanas más, para não escrever. Porque escrevo como terapia, e às vezes preciso de «recuperar» de uma escavação particularmente profunda. Porque quero aproveitar a vida.
Os argumentos são válidos. O problema não é de vez em quando falar um prazo, quaisquer que sejam as razões. O problema é o efeito bola de neve.
Podia ver-me como uma autora com um plano flexÃvel ou como alguém que segue um plano e ocasionalmente se desvia dele. Mas a voz dentro de mim insiste: ou sou cumpridora, ou não sou, ou sou responsável, ou sou irresponsável, sem meio-termo, como se a perfeição fosse a única opção aceitável. É possÃvel que esta rigidez, esta visão inflexÃvel de tudo ou nada, tenha sido formada numa altura em que acreditava que ser irresponsável tinha consequências terrÃveis e que ser responsável me mantinha segura.
Ironicamente, esta crença, em vez de me tornar mais cumpridora e de me fazer voltar aos prazos, cola em mim um rótulo que se transforma numa profecia autorrealizável.
Com esta consciência, tento deixar outras vozes falar mais alto:
A voz da compaixão: viro para dentro a voz que diz que as pessoas fazem o melhor que podem com as ferramentas que têm.
A voz da visão correta: sei que qualquer ideia de perfeição é uma bola de neve que nunca irá ganhar a luta contra a gravidade.
A voz da aprendizagem: percebo que preciso de repensar a periodicidade de publicação ou eliminá-la de vez; leio este momento como um sinal para contemplar, adaptar e rever, e um sinal de que preciso de treinar a minha capacidade de concentração quando escrevo.
A voz do propósito: lembro-me porque estou aqui.
Lentamente, descolo o rótulo. Ligo o tablet, crio um novo documento, e escrevo, «Welcome to Expiration Date!». Deixo-me transbordar e as palavras saem, quebrando a profecia.
Continuo, com esperança: a gravidade também funciona para as coisas boas. Uma bola de neve a rolar ladeira abaixo pode ser um impulso com um propósito — tudo o que temos de fazer é começar, fazer o primeiro gesto, para a pôr a mexer.
Eu reparei! Mas, sem julgamentos, aguardei pelo próximo post :)