A capacidade de nos rirmos de nós próprios: da vergonha ao autoconhecimento
Será que nos levamos demasiado a sério?
«Isto nunca aconteceria em Portugal», disse o meu namorado, recuperando o fôlego. O riso dele é fácil, e contagiante, e é o motor do nosso ritual semanal de assistir ao Would I Lie to You, um concurso de comédia da BBC One.
Na cena que motivou o comentário, Lee Mack fez uma piada sobre o seu oponente, David Mitchell - uma piada tão impertinente que provavelmente daria início a uma luta se estivessem num bar, numa sexta-feira à noite. Mas David não lhe deu um murro; sorriu e aguentou-se como um campeão, fazendo rir a audiência.
O humor britânico tem uma forma de pegar nas falhas humanas e nas situações infelizes e transformá-las em gargalhadas — de tal forma que às vezes nos faz questionar se nos devíamos estar a rir. Eu cresci com um tipo de humor diferente, mais dependente de estereótipos e atributos coletivos, e em que o humorista preservava a sua «dignidade».
Quando era adolescente, tinha dificuldade em rir-me de mim própria. Tinha vergonha dos meus defeitos e, se alguém os mencionasse, mesmo numa conversa paralela, soava um alarme na minha cabeça e eu entrava em modo de defesa. Recolhia-me para dentro da carapaça, como uma tartaruga, e tentava disfarçar o desconforto que sentia, para que ninguém reparasse. Mostrar os meus pontos fracos era como expor uma ferida aberta. Sentia-me constrangida e desconfortável na minha pele, sobretudo perto dos outros.
Mas também me sentia bastante confiante: era boa aluna e boa miúda, e queria ser reconhecida como tal. Talvez o meu alarme disparasse tão facilmente devido a esta visão ideal que tinha de mim própria, como se a minha insegurança não viesse da falta de confiança, mas da arrogância de querer ser perfeita.
Jung escreveu: «Infelizmente, não há dúvida de que [o homem], em geral, é menos bom do que imagina ou quer ser. Todos carregamos uma sombra, e quanto menos ela é incorporada na nossa vida consciente, mais negra e densa ela é. Em todos os aspetos, ela forma um bloqueio inconsciente, frustrando as nossas melhores intenções.»
A nossa sombra pode ser descrita como uma bola de praia que tentamos manter debaixo de água: quanto mais a afundamos, maior é a força com que ela salta. Afundamos as partes de nós que não parecem «certas», que não se enquadram na nossa ideia de quem somos ou de quem queremos ser. Mas essas partes não ficam submersas — vêm à superfície sem nos apercebermos, e esses são os momentos em que nos tornamos defensivos, nos refugiamos na nossa carapaça ou atacamos.
Descobri o poder do feedback quando tinha vinte e poucos anos, num jogo de simulação num curso do programa Juventude para a Europa. Havia duas equipas de duas ilhas imaginárias e tínhamos tarefas que envolviam negociações com a outra equipa, e a ideia era trabalharmos a comunicação, a dinâmica de grupo e o intercâmbio intercultural.
No final do jogo, a observadora da minha equipa partilhou as suas ideias sobre o que tinha visto e ouvido. Falou sobre a dinâmica do poder e serviu como um espelho que refletia os nossos comportamentos. Quando se dirigiu a mim, mencionou um momento em que utilizei um poder subtil e dissimulado para orientar o grupo para uma estratégia diferente, sem ser a líder óbvia do grupo.
Recebi as palavras como um murro no estômago. Senti-me envergonhada. Apesar de ter sido apenas um momento durante um jogo em que estávamos a correr contra o tempo, soava a manipulação, e eu não me tinha apercebido de nada.
Aquele feedback fez-me prestar atenção e aperceber-me de que ela tinha razão: havia momentos em que eu insinuava o que achava ser a estratégia «certa» sem ser totalmente transparente, porque não tinha a certeza se iria funcionar ou porque não queria ser o centro das atenções. Aquele feedback revelou-me um ângulo morto da minha psique.
Senti que tinha descoberto um descodificador humano e queria saber mais. Comecei a aprender a dar feedback e, talvez mais importante, a recebê-lo. Continuo a aprender. Gosto de observar como as outras pessoas recebem feedback (Would I lie to you é uma ótima escola para isto, à sua maneira). Aprendi a pedir feedback, embora por vezes o universo o dê quando menos espero.
Hoje em dia, sou muito mais competente nos temas em que gostaria de ser melhor — passei inúmeras horas a pensar e a trabalhar neles (por exemplo, eu agora sinto-me mais à vontade para assumir a liderança de um grupo).
Agora é mais difícil alguém apanhar-me desprevenida em relação aos temas que estão nessa lista, e os meus sentimentos em relação a alguns deles mudaram. Há menos vergonha e mais aceitação. E, embora ainda espere evoluir, sou mais realista em relação ao que um ser humano pode alcançar numa vida.
Felizmente, com a idade, apercebi-me de que ninguém se importa; ninguém se importa connosco da mesma forma que nós, ou tanto quanto pensamos que se importam. Passamos muito tempo a olhar para o nosso umbigo e, se em algum momento analisamos o comportamento dos outros, provavelmente não é por causa deles, mas por nossa causa — porque esse comportamento mexe com algo com que também estamos a lidar. À medida que os anos avançam é cada vez mais evidente que a vida não é uma competição, e que a meta é a mesma para todos.
Mas uma coisa é não ser apanhado desprevenido, e outra é ser capaz de ver as coisas com tal distanciamento que podemos rir-nos de nós próprios (e não me refiro ao humor autodestrutivo, em que nos menosprezamos de uma forma que nos é prejudicial).
Sermos capazes de rir de nós próprios requer aceitação e humildade. Exige que não nos levemos demasiado a sério e que deixemos de lado a arrogância de tentarmos ser perfeitos. Tantas vezes tentamos afundar a bola de praia, apenas para descobrir que ela volta a subir, uma e outra vez. Talvez se a deixarmos flutuar à superfície, suavemente, possamos fazer as pazes com o nosso lado negro, permitir que ele venha para a luz, e integre a pessoa em quem nos queremos tornar.