Um mergulho na crise de meia-idade: lições aprendidas
O que descobri sobre mim própria ao mudar de vida
Lembro-me que estava num centro comercial perto do meu trabalho, a tomar café com uma amiga, e a conversa foi parar aos nossos sonhos, ao que faríamos se pudéssemos fazer qualquer coisa. Recordo-me da exaltação que senti quando tentei responder: queria parar, parar o que estava a fazer e tirar tempo para não fazer nada, ou para fazer outra coisa qualquer; precisava de espaço para respirar. Foi como se um alarme tivesse sido ligado na minha cabeça.
Alguns anos antes, se me perguntassem se gostava da minha vida, a minha resposta seria sim. Acordava, na maior parte das vezes, com uma energia fervilhante. Ia para o trabalho com um propósito, ansiosa pelo dia que tinha pela frente. Isso mudou, sem que desse conta, até ao momento em que reparei que havia muitos dias que não sentia essa energia. Acordava angustiada, sem vontade de sair da cama.
Já passaste por isto? Eu dizia mais cinco minutos e enfiava a cara na almofada, sem vontade de me mexer. Mas levantava-me, porque tinha responsabilidades e pessoas que contavam comigo. Fazia o que tinha de ser feito, dolorosamente consciente da lista interminável de tarefas.
Sentia-me sobrecarregada pelo stress no trabalho e pelo peso da responsabilidade e tive alguns problemas de saúde graves. Quando olhava para o curso previsível da minha vida, não gostava do que via.
Aguentei esses anos, mas sentia uma inquietação a agitar-me por dentro. Tentei fazer terapia e retiros e cursos de desenvolvimento pessoal. Comecei a escrever um livro, o que me fez feliz, mas o meu tempo e a minha mente estavam demasiado ocupados para o fazer de forma consistente.
Por isso, quando o alarme soou, naquele centro comercial, não o desliguei, e deixei que o som se tornasse tão alto que já não o conseguia ignorar. Comecei a perguntar-me: porque não? Ao princípio parecia impossível, mas depois deixou de parecer. Fiz brainstormings e planos, e as possibilidades começaram a parecer reais. Olhando para trás, apercebo-me de que me preparava para aquele momento há algum tempo, mesmo que na altura não o soubesse.
Decidi tirar uma licença sem vencimento de um ano, para me dar tempo para decidir o que fazer a seguir, para reiniciar a minha vida, para começar de novo. Interrompia o caminho que fazia desde que escolhi estudar ciências no décimo ano. Não sabia como seria a minha vida no final desse ano, mas, pela primeira vez desde há muito tempo, estava entusiasmada por descobrir.
Cinco anos depois, a minha vida está muito diferente, eu estou diferente. Terminei o meu livro e trabalhei como freelancer, como ghostwriter. Agora escrevo e trabalho com linguagem simples, e tenho esta publicação. Mergulhei no mundo das palavras, e foi como chegar a casa. No ano passado, a vida mudou mais uma vez, com o diagnóstico de cancro metastático, e a escrita tornou-se uma ferramenta para explorar e aprender com isso.
Sinto que aproveitei bem a crise de meia-idade. Foi tão grande a aprendizagem que tive de escrever sobre isso para, ao colocar uma palavra a seguir à outra, ganhar perspetiva e destilar as coisas que aprendi, que continuo a aprender, neste processo.
(Mas ainda me lembro da altura em que mudar era inconcebível, em que não sabia o que aí vinha, em que tinha medo de me mexer. Comecei a reconhecer este momento, em mim, noutras áreas da minha vida, e nos outros. Querido leitor, se te sentes sobrecarregado e perdido, talvez estas palavras sejam para ti).
A minha perceção do que pode ser mudou
No décimo ano, na escola, tive de escolher entre estudar humanidades e ciências. Sinto compaixão pela rapariga que acreditava que aquela era uma escolha para a vida. Era isso que ela via à sua volta, na geração dos pais: escolhe-se um trabalho, uma carreira, e essa passa a ser a nossa vida.
Aquela rapariga não sabia que se pode ter mais do que uma paixão, que se pode amar a ciência e as palavras e se pode encontrar propósito na proteção do ambiente, e em escrever e partilhar palavras que podem tocar as pessoas. Não sabia que havia outras coisas que a inspirariam ao longo da vida, como a fotografia, a filosofia e a natureza humana.
Não sabia que poderia construir pontes entre todas essas coisas e criar coisas novas, como um livro em que as alterações climáticas são uma parte importante da construção do mundo e em que a heroína trabalha para regenerar a terra, ou uma publicação em que publicará as suas fotografias com as suas palavras, em que a filosofia e a natureza humana são temas centrais.
Não sabia que se pode seguir uma paixão, e depois outra, e continuar no caminho certo. Porque não existe um caminho «certo», apenas o nosso próprio caminho, traçado quando ligamos os pontos, de experiências e de pessoas, e o propósito vem da história que escolhemos contar.
Perdi a ilusão de que era insubstituível
Na vida antiga sentia-me responsável pelo trabalho que fazia, pelos projetos que tinha começado, pelas pessoas com quem trabalhava. Havia tanta coisa que dependia de mim, que pensar em sair era uma traição, uma fuga aos meus compromissos.
Agora, quando penso nisso, sorrio ao pensar como esse sentimento era egocêntrico. Não conseguia imaginar como ficaria o trabalho sem mim. Spoiler: a vida continuou.
E o mais surpreendente foi que o peso da responsabilidade se desvaneceu. Quando estava no meio de tudo, parecia que nunca iria acabar. A minha lista de tarefas vivia nas minhas insónias. Esse peso fazia parte de mim, e depois deixou de fazer, foi-se afastando de mim à medida que fui passando os projetos e os dossiers.
Talvez seja a isto que o budismo chama a visão correta. Eu estava demasiado próxima da floresta para ver as árvores e tive de dar um passo atrás para ver mais claramente. Só espero que, quando voltar a acontecer, seja capaz de reconhecer os sintomas.
Se não for isto, quem sou eu?
Tinha medo de perder a persona universidade-carreira com que usava há tantos anos. Essa persona deu-me um objetivo, uma forma de estar, e ocupou uma grande parte de quem eu era, de como era conhecida.
Lembra-se de quando, no filme Divertidamente, as ilhas começam a desmoronar-se? O meu trabalho era uma ilha enorme e eu tinha medo que, se ela se desmoronasse, restasse muito pouco. Perguntei-me quem seria sem o meu trabalho, o que diria quando alguém me perguntasse o que fazia.
Durante a licença, à medida que os dias passavam, apercebi-me de que ainda lá estava. Não um pedaço de mim, não uma parte de mim. Inteira. A única coisa que resultou do colapso da ilha do trabalho foi espaço para construir outra e tempo para a explorar.
Em poucos meses, editei a minha página do LinkedIn e escrevi Trabalhar com palavras - o título da pasta onde tinha os projetos relacionados com a escrita. Foi uma declaração pública: esta sou eu agora. Quando penso na vida antiga, sinto-me satisfeita e grata. Estou feliz por a ter vivido e feliz por a deixar para trás.
E se as coisas não mudarem?
Apercebi-me de que o meu maior medo era que as coisas não mudassem, que passasse um ano e eu voltasse à vida antiga ou pior ainda, e saísse derrotada. Ainda hoje, este medo surge aqui e ali, apesar de a minha vida não se parecer com a de antes.
Mas ao pôr em prática, ao falar com a minha chefe, ao planear, ao pensar em novos projetos, percebi que o medo do fracasso é uma ilusão, porque só podemos tentar.
O sucesso é este movimento, a capacidade de começar e dar um passo em frente. Crescemos quando tomamos a decisão de avançar e ao percorrermos o caminho onde nos sentimos vivos. Nunca se sabe onde esse caminho nos leva, por mais planos que façamos. Só nos podemos aproximar daquilo que nos faz feliz, um passo de cada vez. E os passos em falso são o que nos ajuda a descobrir o caminho, a descobrirmo-nos a nós próprios. O fracasso não existe.
(Enquanto termino o texto, vêm-me à cabeça outras lições. Se estas reflexões te interessaram, diz-me, talvez inclua outras num artigo futuro).